sábado, 27 de agosto de 2011

Reconhecimento das áreas indígenas gera desafios técnicos e políticos nos nove países da Bacia Amazônica

A propriedade das terras indígenas nos nove países da Bacia Amazônica e a divisão justa e igualitária dos recursos existentes nelas foram um dos temas discutidos em profundidade no terceiro dia do Grande Encontro Panamazônico, que ocorre desde o início desta semana em Manaus (AM), no Brasil. Por meio de um grupo de trabalho específico, várias organizações indígenas, ambientalistas e sociais debateram sobre como os povos tradicionais panamazônicos podem fazer valer seus direitos sobre as terras onde vivem há séculos.


O assessor técnico da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, (Coica), Valentim Muiba, explicou porque é importante defender os territórios indígenas. “Para nós, as terras são nossas casas, mercados e farmácias. É ali que nascemos, crescemos, conseguimos nosso almoço e extraímos nossos remédios. Sem seus territórios, os povos indígenas não vivem. Há uma identificação cultural muito forte entre o indígena e o lugar onde ele nasceu”, afirmou. 

Valentim moderou as exposições do grupo de trabalho e citou problemas em curso hoje na Bolívia e no Peru, onde os territórios indígenas são ameaçados por grandes empreendimentos. De modo geral, as populações indígenas da Panamazônia ainda enfrentam dificuldades no reconhecimento formal de seus territórios.

Já os territórios existentes e oficializados dispõem de pouca estrutura de proteção e defesa, virando alvo fácil para grandes projetos minerais, de infraestrutura e para a ocorrência de crimes ambientais. Casos como a Usina de Belo Monte, no Brasil; da estrada Vila Tanuria-Santo Ignacio de Moxos, na Bolívia; e do derramamento de óleo em áreas indígenas peruanas são exemplos concretos deste problema.

Contribuição a fazer

A Coica, assim como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), é a entidade organizadora da iniciativa inédita de promover o encontro de cerca de 110 lideranças indígenas dos nove países panamazônicos. Desde segunda-feira, 15 de agosto, por meio de painéis e grupos de trabalhos, são debatidos temas como mudanças climáticas, “REDD+”, mercado de carbono e saberes ancestrais.

Representando a Associação das Pessoas Ameríndidas da Guiana (APA, no original em inglês), Laurence Anselmo afirmou que em seu país existe uma indefinição que angustia os povos indígenas de seu país. “Cerca de 13,9% de nosso território é formado por áreas indígenas, mas o governo não reconhece isso. Embora estejamos vivendo nessas áreas há séculos, ainda não há uma definição jurídica sobre quem são os proprietários dessas terras e quem são os beneficiários de seus recursos. Queremos tomar parte neste debate. Temos uma contribuição a fazer e não abriremos mão dela", afirmou a liderança.

A Rede WWF esteve presente neste grupo de trabalho. O líder da Iniciativa Amazônia Viva, Cláudio Maretti, realizou uma explanação para os participantes. Ele apresentou a Iniciativa e compartilhou com os grupos propostas para consolidar o tema "territórios", em termos de suas funções de conservação da natureza, sob uma perspectiva panamazônica e em aliança com organizações ambientalistas.  

"As organizações indígenas precisam buscar parcerias. Este trabalho já existe, mas é preciso ir além do que está sendo feito. As organizações precisam ainda contribuir com as grandes questões ambientais como mudanças climáticas, água e biodiversidade", afirmou o especialista. 

Claudio Maretti aconselhou também os grupos indígenas a também se fazer presente e ter voz em grandes encontros internacionais, demonstrando suas contribuições a prioridades regionais globais, além de reivindicar seus direitos.  Ele sugeriu que as organizações indígenas mostrem pró-atividade e levem estudos e propostas, inclusive à Rio+ 20, a ocorrer em junho do ano que vem no Brasil, e ao Congresso Mundial de Conservação, que vai acontecer em 2012 na Coréia do Sul. 

Ainda segundo Maretti, a Iniciativa Amazônia Viva da Rede WWF gostaria de buscar as condições para apoiar estudos sobre o papel de conservação das terras indígenas e suas contribuições aos objetivos e metas das convenções mundiais. 

"Território Indígena de Conservação"

Gonzalo Oviedo, da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), afirmou que é preciso harmonizar as necessidades das áreas indígenas de toda a bacia amazônica. "Precisamos converter essas ações em atividades com um caráter mais amazônico e menos focado nas questões específicas de cada país", disse. 

Gonzalo lembrou também da necessidade de se "compreender melhor" a proteção de indígenas isolados. "é um fenômeno que ocorre muito, mas está pouco documentado", declarou. 

Ele também defendeu a ideia de que os indígenas sejam mais proativos na elaboração de projetos de seu interesse. "Os próprios indígenas deveriam criar protocolos e medidas especiais para servir como referência neste assunto", explicou.

Ainda neste grupo de trabalho, foi referendada a possibilidade de uso do conceito de "território indígena de conservação". Segundo Cláudio Maretti, esta é uma nova concepção de governança de áreas protegidas demandada por grupos indígenas, que surgiu em 2007, no Congresso Latinoamericano de Áreas Protegidas, em Bariloche (ARG), e formalizada no Congresso Mundial de Conservação, em Barcelona (ESP), 2008. 

Esta concepção considera integrados, num todo, os conceitos de gestão de recursos naturais e da natureza e a cosmovisão e reprodução sócio-cultural e econômica dos povos indígenas - e não trata desses tópicos em conjuntos separados, como existe nos modelos de governança aceitos hoje pelos sistemas de áreas protegidas dos países.

Segundo Maretti, as diretrizes de proteção da natureza, que orientam os programas nacionais e os acordos internacionais, não devem só se basear na identificação de prioridades com base na ciência oficial, mas devem também incorporar os interesses de conservação diferenciados de grupos específicos, como as comunidades locais e os povos indígenas. 


Fonte: WWF - Brasil

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