O maior depósito de lixo do mundo não se localiza em terra
firme. Está no Oceano Pacífico, numa imensa região do mar que começa a cerca de
950 quilômetros da costa californiana e chega ao litoral havaiano. Seu tamanho
já se aproxima de 680 mil quilômetros quadrados, o equivalente aos territórios
de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo somados – e não pára de
crescer.
Descobridor do aterro marinho gigante, também chamado de
“vórtice de lixo”, o oceanógrafo norte-americano Charles Moore acredita que
estejam reunidos naquelas águas cerca de 100 milhões de toneladas de detritos –
que vão desde blocos de brinquedos Lego até bolas de futebol e caiaques.
Correntes marinhas impedem que eles se dispersem. “A idéia original que as
pessoas tiveram foi que era uma ilha de lixo plástico sobre a qual você quase
poderia andar”, observa Marcus Eriksen, diretor de pesquisas da Algalita Marine
Research Foundation, organização norte-americana criada por Moore. “Não é nada
disso. É quase uma sopa plástica.”
Cerca de 20% dos componentes desses depósitos são atirados ao
mar por navios ou plataformas petrolíferas. O restante vem mesmo da terra
firme. Segundo o oceanógrafo Curtis Ebbesmeyer, especializado em destroços de
navegação e que acompanha a presença de plásticos nos mares por mais de 15
anos, o vórtice de lixo se assemelha a um organismo vivo: “Ele se move como um
animal grande sem coleira.” A aproximação dessa massa à terra firme, por eventuais
mudanças de correntes marinhas, produz efeitos temíveis, assinala o cientista:
“A colcha de lixo regurgita, e você tem uma praia coberta com esse confete de
plástico.”
MOORE DESCOBRIU o mar de lixo por acaso. Em 1997, ele
participava de uma competição de iatismo entre Los Angeles e o Havaí e tentou
cortar caminho por uma rota evitada pelos navegadores, entrando no vórtice
conhecido como North Pacific Gyre (“Giro do Pacífico Norte”) – uma região sem
ilhas onde as águas do Pacífico se movimentam lentamente de forma circular, no
sentido horário, por conta de ventos escassos e fortes sistemas de alta
pressão. O acúmulo de detritos ali chega a tal ponto que para cada quilo de
plâncton nativo da região contamse seis quilos de plástico.
Moore ficou boquiaberto por se ver cercado
de detritos, dia após dia, a tamanha distância do continente. “A cada vez que
eu subia ao convés, havia lixo flutuando perto”, ele disse numa entrevista.
“Como pudemos emporcalhar uma área tão imensa? Como isso podia continuar por
uma semana?” A experiência marcou tanto o oceanógrafo que ele, herdeiro de uma
família que fez fortuna com petróleo, vendeu toda a sua participação acionária
e se tornou um ambientalista.
Ouvido pelo jornal inglês The Independent, o oceanógrafo
David Karl, da Universidade do Havaí, considera que é preciso fazer mais
pesquisas para determinar o tamanho e a natureza da sopa plástica. Mas não
duvida da descoberta de Moore. “Afinal, o lixo plástico está indo para algum
lugar, e já é hora de termos um relatório completo da distribuição de plástico
no ecossistema marinho e, especialmente, seu destino e impacto nos ecossistemas
marinhos.”
Karl está coordenando com a fundação de Moore uma expedição
ao mar de lixo no segundo semestre deste ano, e acredita que a expansão da área
do vórtice já representa um novo habitat marinho.
Sabia-se que os detritos que acabavam nas regiões de giros se
decompunham na natureza, mesmo com a proteção aos raios ultravioleta oferecida
pela água do mar. A durabilidade dos plásticos modernos, porém, mudou bastante
esse perfil – eles podem levar centenas de anos para se degradar. No lixão do
Pacífico Norte já foram encontrados plásticos fabricados há 50 anos. Segundo
Moore, como o mar de lixo é translúcido e situa-se abaixo da superfície oceânica,
não é detectável nas fotografias de satélites. “Você o vê apenas da proa dos
barcos”, afirma. Como ainda nada se faz sobre o problema, ele só tende a
crescer. No início de fevereiro, Moore alertou que, se os consumidores não
reduzirem o uso de plástico descartável, a “sopa” do Pacífico Norte poderá
dobrar de tamanho na próxima década.
Acredita-se que 90% do lixo flutuante nos oceanos é composto
de plástico – um índice compreensível, já que esse material é um dos que levam
mais tempo para se decompor na natureza. No Mar Mediterrâneo, considerado o
mais poluído do planeta, cada quilômetro quadrado contém cerca de duas mil
peças de plástico flutuante. Esses detritos têm efeito trágico sobre a vida
animal. De acordo com o Programa Ambiental da ONU, os entulhos plásticos são
responsáveis anualmente pela morte de mais de um milhão de pássaros e de cem
mil mamíferos marinhos, como baleias, focas, leões-marinhos e tartarugas. As
aves marinhas confundem objetos como escovas de dente, isqueiros e seringas com
alimento, e diversos deles foram encontrados nos corpos de animais mortos.
SEGUNDO CIENTISTAS holandeses, de um grupo de cem fulmares
(aves marinhas das regiões árticas), mais de 90 morrem com resíduos de plástico
em seus estômagos. Os pesquisadores estudaram 560 fulmares provenientes de oito
países e descobriram que os pássaros haviam ingerido em média 44 itens de
plástico. Apenas um desses animais, recolhido morto na Bélgica, tinha em seu
corpo 1.603 diferentes pedaços de plástico. Uma tartaruga encontrada numa praia
havaiana apresentava em seu estômago e intestinos mais de 1.000 pedaços de
plástico.
Marcus Eriksen ressalta que a água com essa massa de lixo
marinho também representa um risco para a saúde humana. Centenas de milhões de
minúsculas bolinhas de plástico, a matéria- prima dessa indústria, são perdidos
ou desperdiçados anualmente e acabam por chegar ao mar. Esses poluentes atuam
como esponjas, atraindo substâncias químicas produzidas pelo homem, como
hidrocarbonetos ou o pesticida DDT. O passo seguinte é eles entrarem na cadeia
alimentar. A esse respeito, Eriksen salienta: “O que vai para os oceanos vai
para esses animais e vem para seu prato” – um lembrete, como se vê, mais do que
oportuno.
Fonte: Jornal Meio Ambiente | Terra
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