sábado, 27 de março de 2010

Como nasceu o Programa de rádio "A Voz do Rio Grande"

O programa “A Voz do Rio Grande” nasceu em setembro de 2009 como parte do mestrado de Desenvolvimento Regional da UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz, em convênio com a UNIHIDRO – Universidade das Águas, no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande.

O trabalho teve como base a análise do processo de uma investigação-ação, enquanto proposta de dinamização metodológica no estabelecimento de um canal de diálogo entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande – Oeste baiano e a sociedade local, realizada por esta pesquisadora. A ação deu-se no segundo semestre de 2009, a partir da seleção de 15 pessoas participantes do Programa de Formação em Educomunicação com Ênfase em Rádio, sendo este realizado em 8 oficinas de produção do programa de 40,’ (quarenta minutos) na Rádio Barreiras.

A pesquisa realizada nessa experiência buscou agregar àquele espaço de diálogo três abordagens: a comunicativa, a cognitiva e a transdisciplinar, fundamentadas em quatro teorias: da educação dialógica, da comunicação popular, da complexidade e da ação comunicativa, que apoiaram as concepções e metodologias construídas e dinamizadas, avaliadas e sistematizadas no trabalho final.

CONSTRUINDO OS PROCESSOS

A realização da pesquisa – no que se refere às oficinas técnicas – somente tornou-se possível porque contou com o apoio da diretoria do CBH Rio Grande. Foi a aceitação do projeto e o crédito dado ao processo ‘Educomunicativo’ que trouxe os recursos financeiros necessários para a pesquisadora se deslocar semanalmente de Salvador até Barreiras e realizar as oficinas. Neste aspecto, ter uma diretora de universidade na presidência do Comitê contou muito e ficam registrados os agradecimentos acadêmicos à querida professora Joana Luz, pela posição segura e decisiva na defesa do projeto. Os percalços que tornaram este apoio imprescindível ficaram para trás, na sombra da própria história, porque há males que vêem para o bem, como se uma força superior orquestrasse os episódios.

Porém foram estes percalços que desafiaram os educomunicadores em formação a intermediar a comunicação entre o Comitê e a sociedade local. A hipótese levantada foi de que, ao se apropriar de técnicas jornalísticas para buscar conhecer e discutir os instrumentos de gestão, a realidade e o futuro possível para o uso das águas dos rios, aqüíferos, veredas e nascentes existentes na bacia, cada um dos educomunicadores e todos juntos – membros do CBH, moradores da bacia, instituições e organizações da sociedade local – passariam a conhecer o suficiente sobre o assunto para defender e fazer as escolhas que pudessem assegurar a sustentabilidade das águas de uma das regiões de maior crescimento da fronteira agrícola no Estado.

Sensibilizados a partir dos debates sobre modelos de comunicação e debates introdutórios sobre a legislação das águas e os conceitos de inclusão e controle social, os educomunicadores entenderam que todas as pessoas que escolheram viver na Bacia do Rio Grande precisavam também ser envolvidos o suficiente para se mobilizar e contribuir com o fortalecimento do Comitê, a base local popular do Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Assim aceitaram o desafio da educação processual e permanente, do próprio grupo e da sociedade em geral, na perspectiva da emancipação cidadã, da gestão de fato compartilhada das águas e da sustentabilidade ambiental.

A proposta da pesquisadora compreendia a possibilidade das ações comunicativas praticadas no Comitê de Bacia poder estruturar práticas emancipatórias – ou não. Traduzia o entendimento de que, a depender do caráter da comunicação predominante, as falas e ações praticadas no espaço público do Comitê tendem a fortalecer processos emancipatórios ou processos de dominação, internamente ou no contato com a sociedade.

Logo ficou claro que a maioria dos membros do Comitê, voluntariados a compor o grupo de Educomunicadores, não ‘tinha tempo’ para construir processos democráticos que representassem dedicação extra ao trabalho direcionado a preparar os ‘excluídos’ para a inclusão na gestão, no controle social e no desenvolvimento de habilidades de aprender a aprender para decidir, na reflexão sobre as relações estabelecidas naquela arena política decisória. Todavia mostraram-se dispostos a dialogar com a sociedade, no papel de entrevistados.

A ação do Programa de Formação consistiu em criar uma nova ‘arena política’, de caráter dialógico, para discutir as questões da gestão compartilhada das águas numa situação onde pudesse se estabelecer uma simetria entre os pares muito além do direito ao voto pelo crachá de membro do comitê; onde todos pudessem se sentir igualmente parte integrante de um processo que quer produzir um conhecimento sobre a gestão das águas, em diálogo com a sociedade local.

Na arena dialógica do programa de rádio dá-se uma ação comunicativa onde os educomunicadores buscam conhecer o tema em pauta e sabatinam seus entrevistados até a exaustão das dúvidas. Na mesma arena, em outra posição, os moradores, enquanto ouvintes da rádio, que dispõem de linha telefônica aberta para se colocar, dar opiniões, fazer perguntas, condenar propostas ou concordar com elas.

As limitações burocráticas e circunstanciais da própria pesquisa definiram os primeiros momentos dialógicos como essenciais para o grupo ‘assumir’ a própria alfabetização técnica em temas como a legislação, instrumentos de gestão e outros assuntos relativos. As entrevistas, no estilo “sabatina” com especialistas e técnicos, vem produzindo momentos formativos enriquecedores e estimulantes: para os educomunicadores que aprendem cada dia mais um tanto; para os entrevistados que se permitem rever falas técnicas de sentido (in)formativo estéril, para outras rádios que disponibilizaram horários para os educomunicadores ocuparem e para a sociedade, onde o programa vem ampliando audiência.

É dessa forma que a arena política dialógica de apoio ao Comitê recoloca o potencial emancipatório da razão (HABERMAS, 1997) enquanto razão e ação comunicativa – na promoção da comunicação livre, racional e crítica, em alternativa e superação àquela razão iluminista "aprisionada" pela lógica instrumental que encobre a dominação (id ibid), tão conhecida de muitos dos que optaram por permanecer, até agora, distantes da política.

A necessidade dos indivíduos agirem respeitando as regras estabelecidas para aquele convívio social e político considera a necessidade de atender ao chamamento da governança das águas, para atender ao que estabelece a lei, para a participação que coloca o povo no lugar de decidir sua vida e seu futuro, ao nível pessoal, social, político e econômico, em condições propícias ao estabelecimento processual de uma simetria entre os atores envolvidos.

As Teorias que fundamentam a proposta estão associadas ao que reiteradamente nos falou o educador Paulo Freire, ao que defende Fritjof Capra, Enrique Leff, Jean Piaget, entre tantos que nos legaram conceitos associados nesse trabalho, ao criador da teoria da Comunicação Popular, Mario Kaplún, teorias que confluem para processos informativos/educativos processuais; aproximam-se ao que nos trouxe o filósofo Habermas: a teoria da ação comunicativa, aqui compreendida como uma ‘extensão’ do conceito freireano de que as pessoas se educam no convívio umas com as outras. Supondo que queremos uma educação para a inclusão e a simetria entre os pares, somente possível ao longo de processos de convívio, as condições para o diálogo se tornam o elemento essencial na convivência.

Habermas considera duas esferas sociais que coexistem: o sistema e o mundo da vida. O sistema se refere à 'reprodução material', regida pela lógica instrumental (adequação de meios a fins), incorporada nas relações hierárquicas (poder político) e de intercâmbio (economia). O mundo da vida é a esfera de 'reprodução simbólica', da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objetivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjetivos (id ibid).

A VOZ DA INCLUSÃO SOCIAL

A ação comunicativa, portanto, propõe uma revolução na capacidade de pessoas comunicarem-se, dialogarem e construírem seus valores de forma a serem respeitadas as condições de alteridade (diferenças) e a possibilidade de dar um novo significado à realidade social. A proposta de criar uma nova arena política (o programa de rádio) para estabelecer ali o diálogo entre os membros do CBH Rio Grande e a sociedade local considera que a morte da racionalidade livre esta relacionada com a limitação dos espaços comunicativos na sociedade moderna, que privilegiou a tática - o agir estratégico e instrumental - em detrimento do espaço dialógico (HABERMAS, 1997).

Seguindo recomendação do documento técnico MAPPEA - Mapeamentos, Diagnósticos e Intervenções Participativos no Socioambiente (DEA/MMA, 2007), os momentos formativos de uma gestão compartilhada precisam discutir como promover a participação, atentando para a não exclusão, desta participação, de qualquer participante de grupos e coletivos, no caso do CBH, os diferentes segmentos que representam os múltiplos usos da água.

A atenção proposta é fundamentada no entendimento e compreensão de fatores que podem sustentar ausências de participação, “(...) consideradas em suas categorias de silêncios, como produções espontâneas da não participação” e os famosos “silenciamentos”, de acordo com Boaventura de Souza Santos, ocasionando uma exclusão de espaços de locução, intencionalmente produzida por forças sociopolíticas dominantes (apud DEA/MMA, 2007 p. 38).

O Programa de Formação em Educomunicação com Ênfase em Rádio é assim o elemento criador da nova arena política dialógica do Comitê, sem que seja antagônica com a arena política decisória da plenária, porque não é concorrente, mas cooperativa. A formação do grupo de Educomunicadores se constituiu de uma Etapa Preparatória, realizada com os membros do Comitê de Bacia, seguida de outras cinco etapas envolvendo oito oficinas de formação técnica e produção coletiva, na construção/desconstrução permanente de um processo de Comunicação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande com a sociedade. Cada etapa do Programa envolve um refletir/avaliar, antes de prosseguir na etapa seguinte.

A esperança de o trabalho resultar numa gestão de fato compartilhada das águas se traduz no que é hoje a prática de 12 educomunicadores, avaliados em plenária do Comitê como um Programa vitorioso, enquanto processo que se propõe. É também neste sentido que compartilhamos e disponibilizamos com a sociedade e outros organismos de interesse, o que está sendo realizado na Bacia Hidrográfica do Rio Grande, Oeste da Bahia. E, óbvio, com reconhecimento de mérito e agradecimento aos educomunicadores.

O PROTAGONISMO SOCIAL

A primeira reunião plenária do Comitê do Rio Grande (23/11/2009) contou com a presença de cinco Educomunicadores. Naquele dia foi entregue o resultado da pesquisa ao CBH. A plenária contou ainda com a presença do diretor da Rádio Barreiras, porque a entrega dos resultados da investigação-ação ao CBH incluiu a assinatura de um Termo de Acordo e Parceria, celebrado entre os educomunicadores, a Rádio Barreiras e o CBH. Cada um dos presentes foi convidado a expressar opinião a respeito do trabalho do grupo e do programa de rádio enquanto canal de diálogo entre o CBH e a sociedade.

Um pouco da fala dos próprios participantes e presentes na plenária expressa melhor que qualquer descrição sobre o processo de construção do protagonismo social nesta investigação-ação, via formação de cidadania e qualificação para a participação:

“(...) foi um aprendizado incrível porque a gente sentiu a paixão de poder se comunicar com as pessoas, de poder falar sobre a preservação do meio ambiente com os olhos brilhando de alegria e acontecendo a cada programa a participação e o esforço de cada um (...) na produção das informações, na quebra dos próprios paradigmas, na construção de roteiros de entrevistas, na capacidade de improvisação quando um entrevistado não pode ir porque quebrou um braço, todas as situações que enfrentamos, até ter um programa cancelado, tudo isso foi muito legal e até fortaleceu o grupo. Hoje a gente sente que tem um grupo preparado e já recebemos mais uma proposta de outra rádio de Barreiras para ocuparmos também lá um espaço e tenho certeza que outras propostas vão surgir porque essa galera já esta pensando em fazer a multiplicação do trabalho para outros grupos de educomuncadores em outros municípios da Bacia (Berenice Peres – Membro do CBH e Educomunciadora).

“Recebi o convite para participar das oficinas e a gente formou esse grupo de educomunicadores para ocupar o espaço na Rádio Barreiras todo sábado, (...) conversando com entrevistados, levando informes e falando sobre questões importantes. Está sendo maravilhoso levar essas informações e também a apropriação desse conhecimento, porque através da sabatina que fazemos com os entrevistados, na busca de informação, nós aprendemos e podemos repassar para os ouvintes de uma maneira mais clara, para que todos possam também entender e aprender mais sobre os temas atuais e as necessidades ambientais do momento. Espero que a gente possa multiplicar esse grupo, para que possa existir um grupo de educomunicadores em cada cidade da bacia do Rio Grande (Bianca Duarte, cantora e Educomunicadora).

“Quero agradecer a oportunidade de participar desse grupo. É um trabalho muito interessante que acontece todos os sábados – eu até tive ausente de alguns programas – mas é um trabalho gratificante, todos empenhados para fazer um ótimo programa para ta divulgando assuntos que são educação ambiental na região e pela oportunidade de levar novos conhecimentos entre o grupo, com entrevistados. É gratificante ver que essas pessoas dedicam um dia que poderiam estar descansando, a fazer esse trabalho, muito bom para todas as pessoas da região (Pedro da Costa, membro do CBH e Educomunicador).

“(...) sou lá do distrito de Brejo Velho (...) Pra mim esta sendo uma experiência maravilhosa de trabalhar com esse grupo de pessoas, trabalhar com meio ambiente, informar ao público e defender o meio ambiente com a consciência de que esta defendendo a própria vida humana. Eu mesmo to ciente de que estou começando agora e espero em Deus que a gente siga em frente. Muito obrigado a todos. (Custódio de Oliveira, membro do CBH e Educomunicador).

“(...) Eu quero enaltecer essa iniciativa (...) em levar esse programa ao ar em nossa emissora, a Rádio Barreiras AM.Também a dedicação dos educomunicadores, porque consciência ambiental se fala muito e é muito bonito, mas falta muita prática e é preciso passar isso para a população. Eles escolheram um veículo de comunicação para poder propagar melhor a comunicação e a conscientização. Eles estão fazendo o trabalho muito bem. Logo teremos colegas radialistas, que terei o prazer de dizer que começaram na rádio Barreiras, e acima de tudo dizer que continuem o trabalho, que estão no caminho certo. A rádio Barreiras, por ser uma rádio comercial, foge do padrão de emissoras de rádio, nós temos uma emissora que é jornalística e por este motivo tem um compromisso social. Temos essa tradição que é mantida (...) e por este motivo abrimos espaço para a educação ambiental, para novos parceiros como o Comitê (Balthazar Guimarães, diretor da Rádio Barreiras).

“Tive a oportunidade de acompanhar esse projeto desde os primeiros passos, quando apresentado para o Comitê de Bacia. Eu posso dizer que a gente tem observado que em nossa sociedade falta precisamente, o que já foi colocado pela nossa colega, falta comunicação, falta conhecimento (...) possibilidade de acidentes que podem acontecer por falta de informação. A mobilização da nossa sociedade ou conseguir fazer com que as pessoas percebam a necessidade de cuidar de uma água em seu quintal, que pode estar proliferando ali o mosquito da dengue, essa consciência é uma coisa nova e a maioria das pessoas, por incrível que pareça, não tem. (...) Uma comunicação dessa natureza, (...) tem um fundamento técnico e científico pra ser construído, eu vi isso acontecendo e pude realmente comprovar esse trabalho. Eu só posso agora congratular-me com o grupo e no que depender de nosso apoio, do CONDEMA(*), nós estamos a disposição. Estamos implantando nosso sistema de internet, através de um site e se for possível através desse grupo, que nos possamos pontuar as informações e integrar os diversos processos. Estamos formulando um convite porque acreditamos que esse é o caminho para resolvermos as questões macro que temos com nosso meio ambiente (Jener Pitombo, membro do CBH e presidente do CONDEMA).



(*) CONDEMA – Conselho de Meio Ambiente de Barreiras.



ISABEL C.F. VILLELA

Pesquisadora (2008-10) UESC/PRODEMA

Nenhum comentário:

Postar um comentário