quinta-feira, 24 de março de 2011

Carta do Encontro dos Atingidos e Atingidas pela Mineração na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – Publicada em 24/03/2011


Nós, organizações e movimentos populares vindos de vários cantos das Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco, Rio Doce, Rio Jequitinhonha e Paraíba do Sul, nos reunimos nos dias 19 a 22 de março de 2011, em Ouro Preto, Minas Gerais, no Encontro dos Atingidos e Atingidas pela Mineração na Bacia do Rio São Francisco. Diante do quadro atual da degradação causada pela atividade de mineração e em meio à omissão dos nossos governantes, vimos por essa carta defender a água como bem público fundamental à vida humana e à biodiversidade e exigir o direito ao uso prioritário das águas pelas comunidades.

Nesses dias, pudemos constatar que o Estado tem sido o principal promotor dessa sanha voraz de produção e extração de minérios em grande escala, que tem diminuído e contaminado a nossa água e machucado a Terra, deixando-a em carne viva. Vimos oceanos de rejeitos, expostos a céu aberto – “cemitérios de ecossistemas” – prova dos nove do processo degradante. Vimos minerodutos que consumirão um volume de água suficiente para abastecer uma cidade de 200 mil habitantes, mas cujo uso está restrito ao transporte de ferro. Mas, vimos e ouvimos, sobretudo, pessoas machucadas em sua alma, marcadas na carne, adoecidas, expulsas de suas terras, ameaçadas pelo que os poucos interessados chamam simplesmente de “crescimento”, como o novo nome do “desenvolvimento”.

Mais que bem indispensável à vida, a água para nós é dotada de valores sociais, biológicos, ambientais, medicinais, culturais e religiosos, e deve ser assegurada à atual e às futuras gerações com padrões de quantidade e qualidade adequados aos respectivos usos.
A Mineração é a atividade econômica que mais gera degradações aos recursos hídricos e estamos aqui para enfrentar e dizer não a este modelo atual de exploração minerária. Terra, água, territórios e pessoas não podem ser reduzidos a “reserva mineral” ou “jazida”. Territórios “ferríferos” antes são territórios “aqüíferos”, lugar da vida!

As outorgas, que foram e estão sendo concedidas, poderão ser mais um elemento a agravar esta realidade. A maneira como estão sendo concedidas para os empreendimentos de mineração, seja para utilização de água na planta industrial e no transporte do minério, seja para barragem de rejeitos, não considera efetivamente os impactos sobre a qualidade e a quantidade das águas, por exemplo, o rebaixamento do lençol freático e a poluição dos mananciais.
Para garantia do bem estar público, autorizações e licenciamentos da esfera pública não podem se restringir a juízos cobertos apenas pela aparência de cumprimento de “legalidade”, já que não faltam evidências das conseqüências negativas geradas pela exploração pouco criteriosa dos minérios. Ritos legais são inócuos se a razão maior da formalidade – a seguridade do direito coletivo – é jogada por terra em nome de direitos privados.

Diante da urgência e da gravidade que a preservação de nossas águas impõe, resta-nos perguntar – Água ou Mineração: o que a sociedade quer? 

Para nós, a resposta está clara: a mineração, ao contrário do que dizem as nossas leis, não tem sido de utilidade pública. É, antes de tudo, um bem privado, com lucros na mão de poucos, a custo de um grande sofrimento das populações atingidas e que acarreta um enorme mal público.

O processo de elaboração do Marco Regulatório da Mineração e do Plano Nacional de Mineração não pode ser um conluio entre empresários e governantes. A sociedade é convocada a se interessar, interferir e determinar este debate.

Nós queremos um ambiente digno para o ser humano e para toda a comunidade da vida. Para tal, teremos que mudar profundamente o modo como se processa o modelo de mineração no Brasil e no mundo e estamos dispostos a iniciar essa mudança desde já, dizendo não a esse atual modelo de mineração e de consumismo.

Assinam as organizações, associações e entidades: Associação Casa de Eva Barranco da Esperança e Vida de Porteirinha/MG, Assembléia Popular de Sergipe, Comissão Pastoral da Terra –BA/MG, Coordenação Regional Quilombola do Oeste da Bahia, Cáritas Brasileira Nordeste 3, Comissão Paroquial de Meio Ambiente de Caetité/BA, Centro de Agroecologia do Semi-árido/Guanambi (BA), Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MOVSAM), Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) de Remanso, Pindaí, Campo Formoso, Bom Jesus da Lapa, na Bahia, e de Porteirinha, Riacho dos Machados, Simonésia, Espera Feliz, em Minas Gerais, Movimento dos Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas da Bahia – CETA, Paróquia de Santo Antonio de Salinas/ Fruta de Leite, Pastoral da Criança de Riacho dos Machados, Movimento de Mulheres Camponesas de Sergipe – MMC/SE.

Colaboração de Ingrid Campos, Articulação Popular do São Francisco, para o EcoDebate, 24/03/2011

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